Trump Ignora a Ucrânia, Mas Busca Lucros
A proposta de Trump para manter o suporte à Ucrânia requer grandes concessões e revela a estratégia predatória dos Estados Unidos - que favorece a Rússia.
Ricardo de Moura Pereira
3/10/20254 min read


Como parte de sua estratégia de paz para a Europa Oriental, o presidente dos EUA, Donald Trump, está demandando a total colonização econômica da Ucrânia. Os detalhes da proposta inicial de Trump, revelados em um documento que foi vazado e que o jornal The Telegraph obteve, sugerem que os EUA assumam o controle dos recursos naturais, dos portos e da infraestrutura da Ucrânia. Isso inclui uma soma impressionante de US$500 bilhões (R$2,8 trilhões) em riquezas minerais, que seriam consideradas como "contrapartida" pela assistência militar.
Após anos de fornecimento de ajuda militar, Trump agora acredita que chegou o momento de lucrar com isso. A proposta estipula que a Ucrânia conceda direitos exclusivos, e de forma permanente, sobre seus recursos naturais e infraestrutura. "Este acordo será regido pela legislação de Nova York, sem levar em conta os princípios de conflito de jurisdição", aponta o contrato. Além disso, os rendimentos devem ser direcionados aos EUA antes de qualquer outro pagamento. "Essa cláusula significa 'pague-nos primeiro, depois cuide dos seus filhos'," revelou ao Telegraph uma fonte que está próxima das negociações.
A audaciosa afirmação de Trump sobre os recursos minerais da Ucrânia não é algo inédito. O próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, já sugeriu abrir mão de algumas riquezas naturais do país para garantir o apoio das nações ocidentais.
Além disso, em Washington, o senador Lindsey Graham, do Partido Republicano da Carolina do Sul, já havia mencionado essa ideia anteriormente. "Eles estão sentados em cima de um trilhão de dólares em minerais que poderiam beneficiar nossa economia", afirmou Graham, ao lado de Zelenskyy, durante uma visita à Ucrânia no ano passado. "Quero continuar a ajudar nossos amigos da Ucrânia."
Trump e a Guerra na Ucrânia: Um Caminho para Enriquecer o Capitalismo Americano
Um montante de US$ 500 bilhões representa quase três vezes o PIB da Ucrânia. Observadores já destacaram que a riqueza mineral da Ucrânia pode estar sendo superestimada. Contudo, é inegável que Trump pretende aproveitar a tragédia da guerra na Ucrânia para enriquecer os cofres do complexo industrial militar e das elites capitalistas dos EUA. Essa é a sua abordagem em diversas situações.
A proposta inicial de Trump para a Ucrânia surge ao mesmo tempo que sua ideia extrema de expulsar os palestinos de Gaza, transformando a região na "Riviera do Oriente Médio". Essa estratégia parece uma manobra para beneficiar seus amigos do setor imobiliário. Assim como no caso dos palestinos, os planos de Trump visam enriquecer seus aliados da elite americana às custas dos ucranianos. E, tal como em Gaza, a Ucrânia se vê sem boas opções, e qualquer acordo que aceitar com a Rússia ou os EUA provavelmente exigirá concessões muito difíceis.
Não precisava ter chegado a esse ponto. Ao longo do tempo, houveram várias oportunidades em que um acordo pacífico para o conflito poderia ter sido alcançado. Em meados de 2022, quando a Ucrânia tinha um pouco mais de flexibilidade, um grupo de parlamentares progressistas dos EUA pressionou o governo Biden para que condicionasse seu apoio às vitórias da Ucrânia a um "empurrão diplomático proativo" em busca de um cessar-fogo.
Esses parlamentares, assim como outros que defendiam a diplomacia, sofreram ataques incessantes e foram difamados por sua postura. Os "falcões", que apoiavam uma abordagem mais agressiva, junto com o lado que se dizia pró-Ucrânia, acusavam qualquer um que tivesse a audácia de sugerir um caminho pacífico de não se importar com as vidas ou a soberania da Ucrânia. Eles festejavam o envio de ajuda militar, alegando que até mesmo as propostas de negociação mais modestas eram um presente para o presidente russo Vladimir Putin.
A verdade é que o esforço de guerra da Ucrânia nunca foi tão sólido quanto afirmavam seus apoiadores no Ocidente. Desde o começo, os parlamentares dos EUA repetiam que estariam ao lado da Ucrânia "pelo tempo que fosse necessário". Essa promessa se revelou profundamente enganadora. As guerras custam caro, e a capacidade dos EUA de financiarem esses conflitos depende das condições econômicas, da política interna e das mudanças na opinião pública.
A vontade política de manter a guerra indefinidamente nunca foi sustentável, e, ainda assim, os soldados ucranianos foram enviados para o combate sob a falsa ilusão de que os EUA estariam firmes em seu compromisso. A abordagem do governo Biden em relação à Ucrânia revela uma mentalidade que lembra a de Trump, embora de maneira mais sutil. Antes de Putin dar início a essa guerra, havia alternativas viáveis. Um alto funcionário da administração Biden reconheceu que os EUA não se esforçaram para abordar uma das principais preocupações de Putin antes da invasão: a possível entrada da Ucrânia na OTAN.
Quando Kiev e Moscou começaram a dialogar diretamente nas primeiras semanas do conflito, os governos dos EUA e do Reino Unido intervieram para prejudicar as negociações, de acordo com vários relatos. O governo Biden tem exercido pressão sobre a Ucrânia para que reduza a idade de convocação militar, de 25 para 18 anos, com o objetivo de aumentar o número de soldados e lidar de forma "mais agressiva" com a situação de ter dezenas de milhares de soldados relutantes em lutar.
Figuras ligadas a Trump, como Graham e o conselheiro de segurança nacional Mike Waltz, também têm defendido essa mudança na idade de recrutamento. No entanto, essas propostas foram rejeitadas por Zelenskyy e não são bem vistas pela população ucraniana.
Os formuladores de políticas em Washington nunca enfrentaram de verdade o enorme custo humano, econômico e social da guerra na Ucrânia, pois, até agora, não precisaram fazê-lo. Para eles, esse sempre foi um conflito distante, uma oportunidade de enfraquecer a Rússia e de promover os interesses dos EUA na região.
A determinação de Trump de exigir "contrapartidas" da Ucrânia — tratando esse conflito, o mais sangrento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, como se fosse um favor sem reconhecimento — reflete a política externa dos EUA em seu estado mais rudimentar.
Como resultado da recusa dos países ocidentais em considerar seriamente soluções diplomáticas, a Ucrânia se viu diante de uma escolha impossível: continuar uma guerra sem chances de sucesso sem o apoio dos EUA ou se submeter a uma vassalagem econômica com as mesmas potências que prolongaram seu sofrimento.
Fonte Intercept brasil