Por que a Rússia não está na lista de países atingidos pelo tarifaço?
Sanções americanas, acordos comerciais limitados e interesses geopolíticos explicam ausência russa no novo pacote de tarifas impostas pela administração Trump
PUTINPRESIDENTE RUSSO
Ricardo de Moura Pereira
4/5/20253 min read


A recente onda de aumentos tarifários anunciada pelo presidente Donald Trump tem causado preocupação em diversos países ao redor do mundo, com impactos significativos para economias como China, União Europeia, Brasil e México. No entanto, um nome notável está ausente dessa lista: a Rússia. Especialistas em relações internacionais e comércio exterior apontam razões estratégicas, econômicas e geopolíticas para essa ausência.
Sanções já existentes tornam novas tarifas redundantes
Um dos principais motivos para a ausência da Rússia na lista de países afetados pelo novo "tarifaço" está nas sanções econômicas já impostas pelos Estados Unidos desde 2014, após a anexação da Crimeia, e intensificadas em 2022 com o início do conflito na Ucrânia.
"A Rússia já enfrenta um dos regimes de sanções mais abrangentes já implementados pelos EUA", explica Dmitri Alperovitch, especialista em geopolítica e fundador do Silverado Policy Accelerator. "Impor tarifas adicionais seria como colocar uma segunda fechadura em uma porta já trancada."
As sanções atuais já restringem significativamente o comércio bilateral entre os dois países, tornando qualquer medida tarifária adicional praticamente irrelevante do ponto de vista comercial.
Volume comercial reduzido não justifica inclusão no pacote tarifário
Os números do comércio bilateral entre EUA e Rússia ajudam a compreender a questão. Antes das sanções de 2022, o volume comercial entre os dois países era de aproximadamente $36 bilhões anuais. Em comparação, o comércio entre EUA e China ultrapassava $650 bilhões, enquanto com o Brasil alcançava cerca de $78 bilhões.
"O tarifaço de Trump é essencialmente uma ferramenta de pressão econômica contra parceiros comerciais significativos", analisa a economista Patricia Campos, especialista em comércio internacional. "No caso russo, o volume de trocas comerciais atuais é tão baixo que não faz sentido incluí-lo nesse pacote específico."
Petróleo, gás e minerais estratégicos: setores protegidos de novas tarifas
Os poucos produtos russos que ainda chegam ao mercado americano, mesmo com as sanções existentes, são principalmente matérias-primas estratégicas, como certos tipos de minerais raros, urânio e alguns derivados de petróleo com licenças especiais.
"Trump tem adotado uma abordagem seletiva em sua política comercial, focando em manufaturados e protegendo o acesso a insumos considerados essenciais", observa Vladimir Rouvinski, diretor do Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade ICESI. "No caso russo, os poucos itens que ainda são comercializados caem justamente nessas categorias protegidas."
Possível reaproximação estratégica entre Trump e Putin
Analistas de política internacional apontam ainda para fatores geopolíticos que podem explicar a ausência da Rússia na lista de alvos do tarifaço. Trump demonstrou repetidamente durante seu primeiro mandato e na campanha eleitoral de 2024 sua disposição para melhorar as relações com Moscou.
"Existe uma clara estratégia de Trump de reconfigurar alianças globais", afirma Helena Constantino, pesquisadora de relações internacionais da USP. "Enquanto pressiona aliados tradicionais como União Europeia e vizinhos como México e Brasil para obter concessões comerciais, ele mantém abertos canais com a Rússia visando cooperação em outras áreas estratégicas."
Fontes próximas à Casa Branca, que pediram anonimato, confirmam que a administração Trump estaria considerando uma revisão parcial das sanções contra a Rússia nos próximos meses, condicionada a avanços em negociações sobre temas como controle de armas nucleares e estabilidade regional.
Impactos para o Brasil e outros países afetados
Enquanto a Rússia permanece fora da mira do tarifaço americano, países como Brasil, China e União Europeia precisam desenvolver estratégias para lidar com o novo cenário comercial.
"A ausência russa nesse pacote tarifário pode até mesmo beneficiar Moscou em certos mercados, onde produtos brasileiros ou europeus perderão competitividade nos EUA", alerta Roberto Azevedo, ex-diretor-geral da OMC. "Assistimos a uma reconfiguração das cadeias globais de comércio, com potencial para criar novos alinhamentos econômicos."
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro já sinalizou que está analisando medidas para proteger os interesses nacionais, incluindo possíveis contestações na OMC e negociações diretas com Washington.
Perspectivas para os próximos meses
Economistas e analistas políticos projetam que o cenário comercial global permanecerá volátil ao longo de 2025, com possíveis ajustes nas políticas tarifárias americanas.
"O 'tarifaço' de Trump deve ser visto como uma abertura de negociação, não como uma política definitiva", pondera Marcos Silva, economista-chefe de importante instituição financeira. "Nos próximos meses, veremos uma intensa rodada de negociações bilaterais que pode resultar em ajustes significativos nas tarifas anunciadas inicialmente."
Enquanto isso, a Rússia parece manter sua posição única no tabuleiro da política comercial americana - suficientemente isolada por sanções anteriores para escapar do novo pacote de tarifas, mas potencialmente beneficiada por uma possível reaproximação estratégica com Washington nos próximos anos. Para o Brasil e outros países afetados, compreender essa dinâmica entre EUA e Rússia torna-se fundamental para desenvolver estratégias comerciais e diplomáticas eficazes no novo cenário global que se desenha.