Imigrante e crítico de Trump, papa Leão XIV confrontará o berço do nacionalismo cristão nos Estados Unidos.
O novo papa terá como desafio liderar e mobilizar uma Igreja Católica global em um período de ascensão da extrema direita.
Ricardo de Moura Pereira
5/9/20254 min read


Nesta quinta-feira (8) de Maio, o cardeal Robert Francis Prevost foi consagrado papa, passando a ser conhecido como Leão XIV. Prevost, que nasceu em Chicago, tem 69 anos e se torna o primeiro papa dos Estados Unidos da história. Também é o primeiro papa oriundo de um país predominantemente protestante. Em Chicago, Prevost nasceu. No Vaticano, onde residiu e exerceu suas funções, era visto como o "menos americano" entre os cardeais americanos. Ele atuou durante dez anos em Trujillo, no Peru, e posteriormente foi designado bispo de Chiclayo, outra cidade do país, onde ocupou o cargo de 2014 a 2023.
Conhecido como Leão XIV, representa um marco na história recente da Igreja Católica. Leão XIV, nascido nos Estados Unidos e naturalizado peruano, é o primeiro papa com dupla nacionalidade na história contemporânea da Igreja. Um imigrante completo, que atravessou barreiras geográficas, culturais e ideológicas durante sua jornada.
Poliglota, reservado e com vasta experiência pastoral e institucional, ele tem sido caracterizado por seus apoiadores como um "intermediário": conservador em assuntos como sexualidade, aborto e família, mas engajado socialmente em questões como migração, emprego e juventude.
A seleção do nome Leão XIV também possui um significativo simbolismo. Refere-se diretamente a Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum ("Sobre as novas coisas"), que, no final do século 19, estabeleceu a doutrina social da Igreja, possibilitando o reconhecimento de direitos dos trabalhadores, como a associação e o sindicato. Ao escolher esse nome, Leão XIV indica seu desejo de atualizar esse movimento histórico, combinando tradição ética e sensibilidade social.
Leão XIV mantém na Cátedra de Pedro o espírito agostiniano, um legado espiritual de sua educação religiosa. A identidade da Ordem de Santo Agostinho se fundamenta em três pilares essenciais: a procura de Deus por meio da introspecção, a vida em comunidade caracterizada pela fraternidade e a dedicação à Igreja e à humanidade.
Este trinômio - interioridade, fraternidade e ministério - marcou a carreira de Prevost como bispo, formador e missionário. Motivado pelas Confissões de Santo Agostinho, ele aprecia a reflexão profunda, a união entre irmãos e a dedicação aos mais vulneráveis, particularmente nas regiões periféricas.
A sua nomeação repercute particularmente nos Estados Unidos, país de origem do novo papa e também epicentro do nacionalismo cristão atual, que se intensificou durante a administração de Donald Trump sob a perspectiva da teologia do domínio.
Durante esse período, aumentou a resistência interna ao papa Francisco, principalmente devido à sua posição ecológica, anticapitalista e crítica às políticas de migração. Steve Bannon, ex-consultor de Trump, chegou a residir em Roma, onde tentou estabelecer uma "escola do populismo", com o objetivo de enfraquecer a autoridade do Papa.
O catolicismo nos Estados Unidos, apesar de sua influência política - com 72 milhões de seguidores e um terço do Congresso se declarando católico - enfrenta uma grave crise institucional: redução nas vocações, redução no número de adeptos e marcas profundas deixadas pelos escândalos de abuso sexual. No entanto, a influência conservadora dos Estados Unidos sobre o Vaticano vinha se intensificando de forma silenciosa.
A batalha pelo destino da Igreja continua intensa. O surgimento de J. Data D. Vance, que atualmente é vice-presidente dos Estados Unidos e representa o neotradicionalismo católico, é um exemplo disso. Em uma ironia histórica final, Francisco dedicou parte do seu último dia de vida a Vance no Vaticano.
Neste contexto, a escolha de Leão XIV pode ser interpretada como uma decisão estratégica: um papa de origem americana e peruana, agostiniano, que possui conhecimento profundo tanto da Igreja do Norte quanto do Sul, que se interessa pelas periferias globais, mescla carisma pastoral com firmeza doutrinal, podendo servir simultaneamente como elo e barreira entre perspectivas em conflito.
Com características de continuidade, porém com um estilo distinto, o novo papa indica abertura para a conversa com os jovens, valorização da comunicação e defesa de uma "paz sem armas". A maior dificuldade será manter acesa a chama de uma Igreja universal em épocas de polarização e confrontar diretamente o berço do nacionalismo cristão atual.
Um desafio que pode incluir até um embate simbólico com Trump, que, em tom provocativo, chegou a usar inteligência artificial para se passar por papa, um ato interpretado por muitos como desrespeito à fé católica e à instituição que agora tem em Leão XIV um novo e desafiador líder mundial.
Quem é Robert Prevost?
A Igreja Católica nomeou Robert Francis Prevost como novo papa, uma personalidade notável pela sua vivência internacional e conexão com o papa Francisco. Ele optou por chamar seu pontificado de Leão XIV. Prevost, nascido nos Estados Unidos, é conhecido como o "pastor de duas nações" por sua missão no Peru nos anos 80.
Essa vivência proporcionou-lhe fluência em espanhol e uma compreensão aprofundada da Igreja na América Latina.
Prevost ocupava a função de prefeito do Dicastério para Bispos, um posto estratégico que lhe proporcionou um conhecimento aprofundado da estrutura eclesiástica e um envolvimento ativo na designação de bispos globalmente. Essa vivência foi considerada um diferencial em sua candidatura, evidenciando sua habilidade de liderança e entendimento abrangente da instituição.
Durante uma conversa com o site do Vaticano, Prevost destacou sua perspectiva sobre a função dos bispos:
"O bispo é verdadeiramente chamado a ser humilde, a estar próximo das pessoas a quem serve, a caminhar com elas, a sofrer com elas e a buscar maneiras de viver de maneira mais eficaz a mensagem do Evangelho entre os seus." Embora Prevost tenha experiência e esteja em sintonia com as ideias do papa Francisco, sua candidatura encontrou obstáculos.
A prática da Igreja de evitar papas americanos, por conta do potencial impacto político que isso poderia ter, era um elemento a levar em conta. Ademais, sua atuação em investigações de casos de abuso na Igreja provocou algumas críticas internas acerca da forma como conduziu tais investigações. Porém, estudiosos indicam que Prevost simboliza uma ala mais progressista da Igreja americana, mais alinhada com os movimentos carismáticos e atenta a temas como imigração e justiça social.
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