"China Enxerga Putin como Fanático, Mas Prefere Apoiá-lo no Poder"

Relações entre Pequim e Moscou revelam uma aliança estratégica ambígua: apesar de críticas internas, a China vê vantagens em manter o líder russo no comando.

3/12/20253 min read

Enquanto as manchetes globais destacam o ativismo diplomático de Donald Trump e o novo governo americano em busca de um acordo de paz para a guerra na Ucrânia, outro ator crucial permanece discretamente nos bastidores: a China. Apesar de sua postura oficial de neutralidade, Pequim desempenha um papel estratégico complexo no conflito, equilibrando interesses econômicos, políticos e geopolíticos. Os países ocidentais têm acusado a China de apoiar indiretamente a Rússia ao não aderir às sanções internacionais e continuar fornecendo produtos de uso dual — como eletrônicos que podem ser utilizados tanto para fins civis quanto militares. Na Ucrânia, há a percepção de que Pequim poderia pressionar Moscou a encerrar o conflito, dado o peso de sua influência sobre seu "sócio minoritário". Contudo, especialistas apontam que a relação entre China e Rússia é mais matizada do que parece à primeira vista.

Em entrevista à BBC, Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie para Estudos Russos e Eurasiáticos em Berlim, explicou as nuances da posição chinesa. Para Pequim, a guerra na Ucrânia é um conflito distante, mas com implicações globais que afetam diretamente seus interesses. A Rússia, embora não seja uma aliada formal, é vista como um parceiro estratégico importante, compartilhando uma visão comum de contenção à hegemonia dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a Europa — o principal mercado para produtos chineses e uma fonte vital de tecnologia e investimentos — está profundamente envolvida no conflito.

Além disso, a guerra impacta mercados globais de alimentos, energia e fertilizantes, com reflexos indiretos para a economia chinesa. Embora Pequim prefira evitar escaladas que prejudiquem seus interesses comerciais, também enxerga oportunidades no caos gerado pelo conflito. A crescente presença americana na Europa e o fortalecimento dos laços transatlânticos são vistas por alguns analistas como fatores que distraem Washington de sua competição estratégica com a China no Indo-Pacífico.

No entanto, a abordagem chinesa vai além de simples cálculos econômicos ou geopolíticos. Culturalmente, a China se vê como uma potência hegemônica no hemisfério oriental, promovendo uma visão de harmonia global baseada em sua estabilidade e força. Essa perspectiva molda sua interpretação de acordos internacionais e parcerias estratégicas. Enquanto o Ocidente entende o conceito de "ganha-ganha" como uma divisão equilibrada de benefícios (como 50/50 ou 40/60), a China adota uma visão mais pragmática: qualquer acordo que traga algum ganho para todas as partes envolvidas é considerado mutuamente vantajoso, independentemente da proporção.

Esse contraste cultural explica, em parte, a atitude chinesa em relação à guerra. Para Pequim, a prioridade é proteger seus próprios interesses, mesmo que isso signifique tolerar práticas questionáveis de Moscou. Ao mesmo tempo, a China busca explorar as fissuras nas relações entre Rússia, Europa e Estados Unidos para consolidar sua posição como mediadora potencial em futuras negociações.

Embora a guerra na Ucrânia tenha aspectos claramente negativos para a China, ela também oferece oportunidades estratégicas. O conflito reforça a narrativa chinesa de que a ordem internacional liderada pelos EUA está em declínio, enquanto destaca a necessidade de uma nova arquitetura global centrada em Pequim. No longo prazo, a China pode até aplicar lições do "cenário ucraniano" ao caso de Taiwan, ajustando suas estratégias diplomáticas e militares conforme observa os desdobramentos do conflito europeu.

Em resumo, a posição chinesa no conflito Rússia-Ucrânia reflete uma combinação de pragmatismo estratégico, ambições globais e diferenças culturais profundas. Mesmo que Pequim não esteja diretamente envolvida nos combates, suas decisões e silêncios continuam moldando o cenário geopolítico mundial, tornando-a um jogador central em um tabuleiro cada vez mais complexo.

 Fonte - BBC News Brasil